Wednesday, January 23, 2008

Mrs.Dalloway

A profundidade das pequenas coisas não está ao alcance de todos. Não se trata de ser melhor ou ser pior, é-se simplesmente diferente. Com uma visão diferente, com um olhar atento e com um espaço de reflexão que se calhar, para muitos, é apenas um novo pacote de bolachas maria. Não pretendo desvalorizar o valor da bolacha apontada, até porque é um exemplo de tradição nacional, quem quer que seja a maria, bolacha. Mas o que para uns é algo banal e fruto de frases feitas como "pensas demais" e "tens é de te divertir", para outros é muito, mas muito mais. Como Mrs.Dalloway...

"She would not say of any one in the world now that they were this or were that. She felt very young; at the same time unspeakably aged."

Simplesmente olhava para o mundo muito além do vidro que a separava da suave brisa que lhe acariciava o rosto. Detinha-se algum tempo a espreitar para fora da janela do quarto. Observava a forma como as crianças brincavam no recreio da escola, o entusiasmo que chegava até ao seu parapeito num simples grito histérico de alegria. Também elas saberiam o que significavam as pequenas coisas. Mais, sentiam-nas.

"She knew nothing; no language, no history; she scarcely read a book now, except memoirs in bed; and yet to her it was absolutely absorbing; all this; the cabs passing; and she would not say of Peter, she would not say of herself, I am this, I am that."

Detivera-se sobre os preparativos. Nada deixado ao acaso. Pensava na cor aveludada do vinho, de como a sua qualidade não dependia de um rótulo e de como a sua essência seria tão semelhante ao ser humano. Pela definição. Uma casta não seria maltratada, ou pelo menos não deveria, por um ano de má colheita. Gostava de pensar que via assim os outros. Como gostaria que o vinho que escolhera se bastasse a si mesmo, sem notas de prova.

"Her only gift was knowing people almost by instinct, she thought, walking on. If you put her in a room with some one, up went her back like a cat's; or she purred."

Das pequenas instâncias o ar respirável. O movimento das ruas, o ruído dos passos, o perfume de estar, a sede de ser. O tique-taque do relógio, mero toque sincronizado com o bater, esse bater que nos mantém, que respira, palpita - sentara-se a escrever. E continuava envolta em pensamentos, de pormenor - a estupidez geminada na ignorância traz à luz detalhes espalhafatosos, de pouca profundidade, já a sábia razão do instinto dita a perda de tempo que é deter-se em detalhes desses...- parou por momentos. Não posso, ao contrário de uma vastidão inerte, esconder esse rosto que é a minha carne e ignorar a sua essência de erro...Humano.
Nas palavras desenhadas no papel, a certeza de uma bússola à procura de pontos cardeais, errando...Só no errar surge o norte do seguir, o sul do crescer, o oeste de conhecer, o este de aqui, presente, viver.

Thursday, January 17, 2008

There will be blood...

Gostava de fugir. De criar um universo paralelo onde não existisse o ruido da panela de pressão. Não o objecto em si mas essa que me querem impingir e que de repente fervilha dentro de mim.
Gostava que fosse facil acordar sem sentir o fel do vento lá fora, o mau hálito dos que me ferem a cada instante por acharem que sabem tudo, o desdém dos que sob a tutela "amigos", desferem os mais afiados golpes na carne. A cada novo corte o sangue torna-se mais fino. Escorre pelo folha em branco. Em palavras ausentes de som ou coerência poética ou sequer frásica. Continuo a escrever tal qual pianista acaricia as teclas do seu piano, em puras e intensas explosões melódicas, ainda que inaudiveis. Palavras soltas, fugazes, membros adjacentes desta voz, minha.
Canso-me só de respirar. Sofoco nas lágrimas que me afogam o fôlego. Tenho o peito aprisionado num espartilho. Quero soltar um grito, por mais breve que seja e não consigo.
Não respiro. O sangue continua a escorrer, nesta página. Em mim.
Gostava que não fosse preciso uma ferida exposta para que se notasse. Gostava que não fosse preciso um murro na mesa para se ouvir uma opinião. Gostava que as pessoas não sentissem essa necessidade premente de magoar os outros para se sentirem bem consigo próprias. Gostava que não fosse preciso gritar para finalmente ouvirem os meus sussuros. Gostava... Gostar, gostava... De tanto coisa, mas o vento não se faz de gostos. Antes talvez componha a sua trajectória de desgostos. Acumulando gemidos de dor.
A minha energia esgota-se em sofreguidão. A minha voz seca-se. As minhas palavras sangram.
Porque será que ninguém ouve?
O vento zumbe...
O tempo treme...
O instante consome...
A pagina revela, uma e outra palavra. todas elas conjugadas com esse rasgo da minha escrita.
Se ao menos não fosse preciso gritar, para se ser ouvido...

Os sinos tocam. A voz cala. O sangue escorre. O pano cai...